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Pesquisa FAPESP 25 anos

Professores usam reportagens em sala de aula para discutir ciência

Atividades didáticas com conteúdo de Pesquisa FAPESP também inspiram estudos

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

No último semestre, o químico Alu Vieira, professor da Escola Estadual Carlos Gomes, em Campinas (SP), incluiu em suas aulas o debate sobre textos de divulgação científica com alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), de idades entre 25 e 70 anos. Vieira gosta de explorar principalmente as entrevistas, devido ao formato do texto, de perguntas e respostas. Ele os exibe em um telão e faz uma leitura coletiva, em que alguns alunos leem as questões e outros as respostas. A entrevista com o virologista Maurício Nogueira, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), sobre a recente epidemia de dengue, publicada em fevereiro on-line e em março na edição impressa de Pesquisa FAPESP, foi debatida com os estudantes. “Aproveitei para conversar sobre como a doença se manifesta, as formas de transmissão, o ciclo de vida do mosquito e políticas públicas de combate”, explica.

Há cerca de três anos, ele leva textos da revista e de outras publicações para atividades em sala de aula também com alunos do ensino médio regular. Vieira, que cursa mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em ensino de ciências e matemática com um projeto sobre divulgação científica, apoia-se em textos da revista para montar algumas de suas aulas, pesquisando temas que pretende abordar. “Entro no site e busco o tema ou o termo de que necessito. É mais preciso do que pesquisar no Google e mais prático do que buscar por artigos científicos”, diz.

Ele se soma a outros professores que têm desenvolvido atividades pedagógicas em sala de aula com textos e demais conteúdos de Pesquisa FAPESP, que completa 25 anos neste mês de outubro. Atualmente, 3.463 escolas da rede estadual de São Paulo recebem exemplares da revista e 22 escolas privadas assinam a publicação.

A estratégia de usar a ferramenta de buscas do site da revista para pesquisar temas que pretende trabalhar com estudantes do ensino médio é igualmente adotada pela bióloga Lydia Getschko, da Escola Móbile, na capital paulista. “Pergunto-me: como posso instigar os alunos sobre temas que parecem chatos?”, conta. Se a aula será sobre o sistema urinário, por exemplo, Getschko procura por termos relacionados para encontrar entrevistas e outros formatos que possam ser trabalhados com os estudantes. “Para essa finalidade, encontro conteúdos mais qualificados no site da revista”, avalia.

Assinante da revista há 10 anos – um presente do pai quando ela ingressou na graduação em biologia –, Getschko coordena a área de ciências da natureza e matemática de um projeto de iniciação científica e artística da escola, em que os alunos pesquisam sobre um tema, com o acompanhamento de um orientador, e ao final precisam produzir um vídeo de divulgação científica sobre ele. Ao lado da historiadora Denise Mendes, que coordena a área de humanidades e artes, a bióloga propôs que os 22 alunos que finalizassem seus projetos ganhassem como presente uma assinatura de 12 meses de Pesquisa FAPESP. A escola topou e, desde junho, os estudantes recebem os exemplares em casa.

ReproduçãoHistórias em quadrinhos criadas por alunos da Escola Estadual Maria Lina de Jesus, em São José do Alegre (MG), com base na discussão de matérias de Pesquisa FAPESPReprodução

Os formandos do ano anterior recebiam outras revistas que não tinham como foco a produção nacional, destaca Mendes. “Neste ano, pensamos: são adolescentes interessados em pesquisa, então por que não valorizar a ciência produzida por aqui?”, diz. O estudante Bruno Pozzobon, de 18 anos, aluno da 3ª série do ensino médio, um dos premiados, concorda. “Gosto da sensação de proximidade que sinto ao ler as reportagens. Descubro pesquisas feitas em locais próximos a mim. Posso procurar o contato de um pesquisador entrevistado que pode estar, por exemplo, na USP, mandar uma mensagem e combinar de visitá-lo”, diz ele, que pretende seguir carreira acadêmica na área de física.

Já a estudante Gabriela Pedrozo, de 18 anos, não costumava ler revistas, mas conta que criou o hábito ao folhear Pesquisa FAPESP nas manhãs de sábado, enquanto sua mãe lê jornais. Depois, as duas trocam as publicações. “Gosto da seção de notas, que está logo no começo da revista, porque é uma leitura rápida”, conta.

De volta ao impresso
O resgate do hábito de ler informações no papel foi um dos motivos que levaram o Colégio Santa Marcelina, na capital paulista, a incluir a revista como material paradidático para 160 alunos da 9ª série do ensino fundamental à 3ª série do ensino médio. “A ideia é estimular nos estudantes pensamentos mais elaborados, que são favorecidos ao manipular o material impresso e na pausa para a leitura de informações mais densas, tão diferentes das que aparecem nos feeds dos celulares”, observa a coordenadora pedagógica Lisliê Vidal.

“Nas telas, não consigo ficar muito tempo focada. Gosto de marcar, anotar e grifar os exemplares físicos quando um professor pede para ler textos da revista”, conta a estudante Rafaela Giori Silva, de 14 anos. Ela vê na publicação um material interessante para pesquisar ideias para as redações, por exemplo. “Já usei informações falsas em trabalhos, por engano, quando fiz buscas na internet. É legal ter acesso a fontes confiáveis.”

Já o estudante Matheus Eterovic Bortoletto Vicente, de 14 anos, que pensa em ser engenheiro, não tinha o costume de receber assinaturas de publicações em casa. “Sempre tive o hábito de ler notícias soltas na internet e tem sido legal ter acesso à revista porque o material vem todo organizado. É uma maneira diferente de consumir informação. Meus pais também viraram leitores da revista”, conta.

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESPEm 2024, alunos do Colégio Santa Marcelina passaram a utilizar a revista como material paradidáticoLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

“Outro objetivo é despertar o interesse dos alunos pelo mundo da ciência na sala de aula”, diz a oceanógrafa Andressa Pinter Ninin, coordenadora de ciências da natureza da escola. Para que os professores se lembrem de pensar em atividades didáticas com o novo material, eles recebem atualizações sobre novas edições, com links para o site, entre outras informações, em um boletim interno enviado semanalmente por Vidal. Cerca de oito professores trabalham com reportagens da revista em suas aulas, em disciplinas que vão da redação a ciências da natureza.

Para abordar as evidências da evolução, a bióloga Roberta Basso Vieira usou duas reportagens de paleontologia: uma, publicada em fevereiro, sobre a pata ferida de um tigre-dentes-de-sabre, e outra, de março, sobre o fóssil de um anfíbio que viveu há cerca de 250 milhões de anos onde hoje é o Rio Grande do Sul. Grupos de no máximo quatro alunos leram e construíram um mapa conceitual daquele conteúdo, com anotações, ilustrações e desenhos. “Os estudantes ficaram empolgados, principalmente quando viram que um dos fósseis foi descoberto no país”, diz Basso Vieira.

Essas discussões podem ajudar a aproximar e despertar o interesse dos estudantes pelo mundo acadêmico, na visão do físico Franco Giagio, coordenador pedagógico do Colégio FAAP de Ribeirão Preto (SP). Desde 2011, ele leva textos da revista para discutir com os alunos em sala de aula, buscando exemplos que possam mostrar a aplicação de pesquisas no desenvolvimento de novas tecnologias e levantando debates críticos.

Professores do colégio também usam as reportagens como base para a elaboração de provas temáticas bimestrais, que são interdisciplinares. Elas são aplicadas aos alunos das 1ª e 2ª séries do ensino médio. Um dos elementos que o físico destaca como úteis nas avaliações são os infográficos que integram muitas reportagens. “Com um único infográfico conseguimos formular perguntas para duas ou três disciplinas diferentes”, conta.

Ele chegou a usar três reportagens da revista em uma avaliação. “Muitos textos tratam de temas que estão na fronteira do conhecimento, o que ajuda a trazer discussões atualizadas para os alunos”, diz. Giagio cita como exemplo uma prova de 2019 que trazia perguntas elaboradas com base na reportagem “As máquinas que tudo veem”.

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESPOs estudantes Bruno Pozzobon e Gabriela Pedrozo, premiados pela Escola Móbile com assinaturas da revistaLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

Giagio ainda utiliza reportagens da revista para formular simulados para a 3ª série do ensino médio e para o curso pré-vestibular. Em sua visão, o uso desses conteúdos em provas é estratégico porque é comum que exames vestibulares para ingresso nas universidades públicas paulistas e provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) utilizem reportagens de Pesquisa FAPESP como fonte para questões. Em novembro de 2023, a redação da prova do Enem teve como tema a invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil e um dos materiais de apoio para o desenvolvimento do texto pelos estudantes foi a capa da revista de janeiro de 2021 que aborda o problema.

Na academia e os bastidores da ciência
Para os alunos que ingressaram na universidade, a revista é útil para que acompanhem o que é produzido na ciência nacional. Essa é a visão da historiadora Ivia Minelli, professora de humanidades da Ilum, escola superior de ciência do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas. No início do ano, ela levou a reportagem sobre as chamadas “rochas de plástico” para ser debatida com seus alunos em uma disciplina sobre o Antropoceno.

“Pela característica interdisciplinar que o curso evoca, a abrangência temática dos estudos que Pesquisa FAPESP aborda é muito rica para ser discutida com os estudantes”, diz Minelli, também professora do Programa de Pós-graduação em História da Unicamp. Outra reportagem que ela costuma sempre levar para ser consultada e discutida por seus alunos da Ilum é “O gênero da ciência”, que aborda os desafios e os impactos de se levar igualdade de gênero e diversidade para as pesquisas científicas.

Há três anos, a biomédica e neurocientista Mellanie Fontes-Dutra, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo (RS), tem trabalhado textos da revista com seus alunos da graduação em biomedicina. Ela leva reportagens para instigar os alunos a escrever resenhas sobre assuntos atuais de temas da área da saúde. Também já utilizou os textos como enunciados de avaliações sobre medicações e vacinas. “Gosto muito de usar a revista pela visibilidade da ciência que fazemos no país. Penso que isso estimula os alunos a olhar para a área acadêmica como oportunidade de atuação”, observa.

Pesquisadores têm procurado investigar o potencial do uso da revista em atividades pedagógicas. Em maio de 2022, a química Ana Caroline Vieira Correia selecionou a reportagem “Ciência do Brasil visível no mundo”, de Pesquisa FAPESP, para ser discutida em sala de aula com alunos da 1ª série do ensino médio. O texto, publicado em novembro de 2021 no site e em dezembro na edição impressa, apresentava 21 pesquisadores brasileiros que estavam em uma lista de cientistas altamente citados, divulgada naquele ano. “Nosso objetivo era que os alunos ampliassem a sua compreensão sobre a ciência e o trabalho de pesquisadores brasileiros contemporâneos”, diz ela. A atividade era parte da pesquisa de mestrado de Correia em ensino de ciências, defendido em agosto de 2023 na Universidade Federal de Itajubá (Unifei), em Minas Gerais.

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESPRoberta Basso Vieira usa reportagens para discutir conceitos abordados nas aulas de biologiaLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

Para isso, a química coordenou a leitura e a discussão da reportagem com 22 alunos da Escola Estadual Florival Xavier, em Itajubá, durante dois encontros. Na sequência, os alunos visitaram laboratórios e conversaram com pesquisadores da Unifei. Antes e depois das atividades, ela aplicou questionários sobre como os estudantes percebiam o trabalho dos cientistas, e os questionários finais indicaram que eles notaram aspectos da natureza da ciência sobre os quais não haviam refletido nas primeiras respostas. Os resultados foram publicados em janeiro de 2023 na Revista Amazônica de Ensino de Ciências.

Os alunos notaram, por exemplo, que os cientistas não atuam sozinhos, mas em grupos de pesquisa, que eles não vivem trancados em laboratórios e o conhecimento que produzem é validado por pares – pesquisadores da mesma área do conhecimento. “A reportagem foi escolhida por conter elementos que mostram o processo de produção científica, como a representatividade de mulheres pesquisadoras, o financiamento dos estudos e a colaboração entre cientistas. Não são elementos explícitos, mas podem ser apontados pelos professores”, explica Correia.

“Nosso trabalho concluiu que a divulgação científica pode ser uma aliada importante na aproximação dos jovens com o trabalho dos cientistas. Pretendo replicar a atividade com meus alunos”, diz a química, professora da Escola Estadual Major João Pereira e do Colégio Sucesso, ambos de Itajubá. Em agosto, ela ingressou no doutorado da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

Outro estudo de pesquisadores da Unifei, publicado na Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências em dezembro de 2017, analisou o potencial de textos de Pesquisa FAPESP serem usados em sala de aula como recurso para trabalhar aspectos da sociologia da ciência. As reportagens “Como explicar um coração tão dividido” e “Correr faz bem”, ambas de 2014, foram discutidas com 28 alunos da 1ª série do ensino médio da Escola Estadual Maria Lina de Jesus, no município mineiro de São José do Alegre.

Após uma análise prévia de 10 reportagens da revista, ambos os textos foram selecionados pelas pesquisadoras por estarem relacionados a tópicos recentes estudados pelos alunos, como respiração celular e fotossíntese. Em seguida à leitura e discussão dos textos, mediadas por uma professora de biologia, os estudantes foram convidados a criar histórias em quadrinhos inspiradas pelas reportagens.

No artigo, as pesquisadoras destacam elementos do fazer científico que apareceram nos desenhos, como a ideia de que o conhecimento está sempre em desenvolvimento, a percepção sobre o longo tempo para a construção de um consenso científico e a importância do trabalho coletivo. “As reportagens não abordam apenas conceitos científicos, mas podem, muitas vezes, contar nas entrelinhas a história daquele estudo, além de mostrar dificuldades e divergências entre grupos de pesquisa”, observa a química Jane Raquel Silva de Oliveira, da Unifei, uma das autoras do artigo. Cabe ao professor, então, localizar esses elementos e abordá-los em sala de aula, procurando mostrar o processo de construção da pesquisa que, destaca Oliveira, não costuma aparecer nos livros didáticos.

Para apoiar essas discussões em sala de aula, ela produziu, em 2015, o e-book Nos bastidores da ciência: Conhecendo o trabalho do cientista. Entre as reportagens usadas como base, estão textos de Pesquisa FAPESP.

A reportagem acima foi publicada com o título “Ferramenta educacional” na edição impressa nº 344, de outubro de 2024.

Artigos científicos
CORREIA, A. C. V. e OLIVEIRA, J. R. S. A divulgação científica como meio para aproximar estudantes de cientistas e promover compreensões sobre a natureza da ciência. Areté ‒ Revista Amazônica de Ensino de Ciências. v. 20, n. 34. jan. 2023.
MOTA, G. P. R. et. al. A revista Pesquisa FAPESP como recurso para abordagem da sociologia da ciência. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências. v. 17, n. 3. dez. 2017.

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