Imprimir Republicar

ALIMENTAÇÃO

Valores nutricionais de carnes processadas de origem vegetal e animal são próximos

Ambas constituem alimentos industrializados, que devem ser consumidos com moderação

Alexandre Affonso

Tem aparência de atum, textura de atum e, garante o fabricante, gosto de atum. Mas o alimento, cortado em pedaços e pronto para consumo, é formado por uma combinação de soja, ervilha, grão-de-bico, rabanete, azeite de oliva e óleo de microalgas. Essa é uma das opções prontas ou de preparo rápido feitas à base de plantas que chegam aos supermercados brasileiros ao lado de hambúrgueres, salsichas e almôndegas desenvolvidas para quem quer evitar ou reduzir o consumo de carnes. No Brasil, cerca de 30 milhões de pessoas se declaravam vegetarianas em 2018, o equivalente a 14% da população. Desse total, estima a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), 7 milhões seriam veganos e não consomem nada de origem animal, como leite, ovos ou mel.

Apesar de esses produtos serem anunciados como substitutos da carne, será que eles teriam quantidades equivalentes de proteína, uma das principais preocupações de quem decide tirar a carne do cardápio? Eles são mais ou menos saudáveis? Pesquisadores brasileiros, chilenos, portugueses, espanhóis e sul-coreanos verificaram que no Brasil, diferentemente do que pensavam inicialmente, esses alimentos têm valores nutricionais semelhantes.

“Substitutos da carne podem ser aliados de quem quer se tornar vegetariano ou vegano, mas devem ser consumidos com moderação por serem ultraprocessados”, diz o nutricionista Bernardo Romão, da Universidade de Brasília (UnB) e principal autor do artigo que detalha o estudo, publicado em maio na revista científica Frontiers in Public Health. Estudos brasileiros e internacionais associam o consumo de alimentos ultraprocessados ao aumento de peso e da pressão arterial, a doenças no coração, a alguns tipos de câncer e a alterações nas taxas de açúcares e gorduras no sangue.

Nesse trabalho, Romão, com seus colegas, compararam as tabelas nutricionais para porções de 100 gramas (g) de 125 produtos à base de plantas com 375 de origem animal em 10 categorias – hambúrgueres, carne moída, almôndegas, frango empanado tipo nuggets, hambúrgueres de frango, filé de frango, peixe em conserva, bolinhos de peixe, salsichas e presuntos. De modo geral, não havia diferenças significativas na quantidade de calorias, de sódio, de gorduras totais e de proteínas entre eles. As principais diferenças foram a quantidade de carboidratos e de fibras, maior nos alimentos vegetais, o que já era esperado.

“Os produtos veganos que analisamos combinavam duas ou mais fontes de proteína vegetal”, informa Romão. As principais fontes proteicas foram soja (77%), principalmente em forma texturizada ou isolada; glúten (44%), derivado de centeio, trigo ou cevada; ervilha (20,8%); grão-de-bico (16%) e feijão (7,2%).

Para chegar à lista, eles fizeram um levantamento entre fevereiro e dezembro de 2021 de 125 produtos classificados como substitutos de carne que tinham o selo de produto vegano conferido pela SVB, eram encontrados em mercados das cinco regiões do país ou em sites de venda e não explicitavam o teor de sódio reduzido. Quase metade deles (49,6%) emulava a carne vermelha, 25,6% a carne de frango, 14,4% a carne suína e 10,4% a de peixe.

“Em avaliações similares feitas em outras pesquisas nos Estados Unidos e na Austrália, os produtos veganos tinham menos proteína do que os de carne, principalmente porque usam menos glúten e aparentemente fazem menos combinações de fontes proteicas”, comenta. Segundo ele, nesses países o glúten é pouco usado para que pessoas com restrições alimentares, como as que têm alergia a essa proteína, também possam consumi-lo.

Os resultados do estudo brasileiro foram diferentes dos da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, que analisou a composição nutricional de 41 hambúrgueres de carne bovina e 117 à base de planta vendidos nos supermercados norte-americanos. Os alimentos convencionais tinham mais proteínas, calorias e gorduras do que os substitutos, como detalhado em um artigo de junho de 2022 na revista International Journal of Food Sciences and Nutrition. As principais fontes de proteína vegetal usadas nos alimentos veganos foram a soja, a ervilha e o arroz. Os produtos veganos também tinham mais sódio. Esse trabalho alertava que os consumidores de produtos veganos nos Estados Unidos deveriam ser informados de que os substitutos da carne não eram nutricionalmente equivalentes.

Alexandre Affonso

Sódio e gordura
No estudo brasileiro, a maioria dos produtos veganos era parecida com os de origem animal em relação aos níveis de sódio, com exceção das carnes moídas veganas, que tinham uma concentração sete vezes maior do que sua correspondente bovina, e os bolinhos de peixe veganos, com o dobro da quantidade de sódio. Os pesquisadores consideraram que os níveis de sódio dos alimentos veganos são altos para compor uma refeição completa tomando como base a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de não ultrapassar 2.300 miligramas (mg) de sódio por dia, o que, segundo Romão, é ruim, já que o excesso de sódio oferece uma série de riscos à saúde. De acordo com os pesquisadores, no Brasil, o almoço contribui, em média, com 40% desse valor, ou seja, 920 miligramas (mg) de sódio. Uma única porção de 100 g de carne à base de planta poderia corresponder de 30% a 50% do recomendado para uma refeição acompanhada de arroz, feijão, guarnições e salada.

Apenas três produtos de origem animal – as almôndegas, o frango empanado e as salsichas – apresentaram quantidades maiores que as veganas de gordura saturada, associada a doenças cardiovasculares e à obesidade. “Na maioria dos produtos veganos, no entanto, não houve diferenças estatísticas nos níveis de gordura saturada em relação aos produtos de origem animal ultraprocessados. Portanto, esse ponto não seria uma vantagem das carnes à base de plantas que avaliamos”, observa Romão. As principais diferenças foram a maior quantidade de fibras e de carboidratos nas carnes vegetais. “Com a proteína, as fibras ajudam na sensação de saciedade e nos fazem parar de comer”, observa Romão. Como os vegetais costumam ter mais carboidrato, a concentração maior desse nutriente era esperada. “Isso não implica, necessariamente, uma vantagem ou desvantagem desse tipo de alimento. A quantidade ideal de carboidrato que uma pessoa deve ingerir é muito individual e depende de vários fatores.”

Alerta
“A maioria dos alimentos industrializados à base de vegetais é formada por processados e ultraprocessados. Se não são nutricionalmente tão diferentes dos ultraprocessados de origem animal, isso não parece ser um bom sinal”, observa Romão.

Um dos raros trabalhos sobre o consumo de ultraprocessados por veganos e vegetarianos avaliou a dieta de 21.212 franceses e mostrou que os veganos e vegetarianos os consumiam mais que os onívoros. Pesquisadores das universidades de Paris e de Sorbonne viram que 39,5% da ingestão total de energia dos veganos e 37% dos vegetarianos vinha desses alimentos, enquanto esse índice foi de 33% para quem comia carne, como detalhado em um artigo de janeiro de 2021 no The Journal of Nutrition.

“O estudo da UnB indica que quem consome esses produtos prontos, e acha que por serem feitos à base de plantas são necessariamente mais saudáveis, precisa ficar atento. É preciso consumi-los com parcimônia”, comenta a nutricionista Maria del Carmen Molina, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), vice-coordenadora do “Estudo longitudinal de saúde do adulto” (Elsa-Brasil), no Espírito Santo, que não participou da pesquisa.

O Elsa-Brasil, que monitora 15.105 pessoas entre 35 e 74 anos desde 2008, identificou uma associação entre o maior consumo de carne processada convencional e novos casos de resistência insulínica e verificou que o alto consumo de carne vermelha pode aumentar em 40% o risco de novos casos de diabetes entre homens. Os dados foram publicados em maio de 2019 no Pan American Journal of Public Health.

Portanto, não adianta consumir menos carne e correr para os alimentos industrializados. O melhor para a saúde, segundo Romão e Molina, ainda é incluir o máximo de alimentos in natura no dia a dia, evitando o excesso de processados e ultraprocessados, veganos ou não. “É importante sempre combinar uma leguminosa com um cereal, para garantir um bom nível de proteína”, recomenda a pesquisadora.  Vegetais de folhas escuras, como brócolis e couve, também constituem um bom reforço à boa alimentação.

 Artigos científicos
APRELINI, C. M. O. et al. Consumo de carne vermelha e processada, resistência insulínica e diabetes no “Estudo longitudinal de saúde do adulto” (Elsa-Brasil). Pan American Journal of Public Health. 43:e40. 2019.
COLE, E. et al. Examination of the nutritional composition of alternative beef burgers available in the United StatesInternational Journal of Food Sciences and Nutrition. v. 73, n. 4, p 425-32. jun. 2022.
GEHRING, J. et al. Consumption of ultra-processed foods by Pesco-Vegetarians, vegetarians, and vegans: Associations with duration and age at diet initiation. The Journal of Nutrition. v. 151, n. 1, p. 120–31. jan 2021
ROMÃO, B. et al. Are vegan alternatives to meat products healthy? A study on nutrients and main ingredients of products commercialized in Brazil. Frontiers in Public Health. v. 10, artigo 900598. mai 2022.

Republicar