O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, anunciou em 19 de novembro o fechamento temporário das 1,8 mil escolas públicas da cidade em resposta a uma nova escalada de casos de Covid-19. Com a decisão, 300 mil estudantes que reiniciaram as aulas presenciais em setembro voltaram para o ensino remoto, juntando-se aos demais 800 mil alunos da rede que, por medo do contágio, tinham optado por seguir com o aprendizado virtual. A interrupção foi alvo de críticas porque cerca de 60 mil alunos, entre os socialmente mais vulneráveis, não estão conseguindo acompanhar o ensino on-line. E o ambiente escolar parecia seguro: apenas 0,19% dos 120 mil estudantes, professores e funcionários da rede de ensino testados para o novo coronavírus teve resultado positivo.
O entorno, ao contrário, viu a contaminação subir. Nova York foi o epicentro da primeira onda da pandemia nos Estados Unidos. A contagem de mortos na cidade hoje alcança 24 mil pessoas e está crescendo de novo. Foram 48 vítimas fatais em 20 de novembro – mais do que o dobro da taxa diária do início de mês. O gatilho para o fechamento das escolas foi o índice de 3% de testes positivos registrados na cidade na média dos sete dias anteriores. “Estabelecemos esse parâmetro e precisamos segui-lo. Pretendemos voltar o mais rápido possível”, explicou Blasio, segundo a revista Time. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, três fatores devem nortear as estratégias de fechamento ou reabertura: a transmissão e a gravidade da doença entre crianças e adolescentes, a capacidade de manter medidas de prevenção e controle nas escolas e o quadro epidemiológico da região. Nova York viu o último quesito sair do controle.
Segundo dados da Unesco, a primeira onda da pandemia interrompeu as atividades escolares em mais de 190 países, afetando 1,57 bilhão de pessoas, o equivalente a 90% dos estudantes do mundo. Mas, ao contrário do que aconteceu no Brasil, a maioria das nações retomou o ensino presencial até a metade de 2020, ainda que mantendo parte das atividades on-line e adotando protocolos restritivos. A experiência foi repleta de sobressaltos, mas mostrou que, com respeito a medidas de higiene, distanciamento social e controle de casos novos, a escola não produz surtos da doença como se temia. A França mantém suas escolas reabertas desde maio, mesmo tangida pela segunda onda da pandemia. Desde o início do ano letivo, em setembro, dezenas de escolas já suspenderam as aulas devido ao registro de casos da doença, mas, segundo monitoramento feito pelo ministério da Educação do país, praticamente todos os episódios envolveram contaminação fora do ambiente escolar e não desencadearam surtos da doença.
Kena Betancur / AFP
Protesto de pais contra o novo fechamento das escolas públicas da cidade de Nova York, anunciado em 19 de novembro
Kena Betancur / AFPO rigor no cumprimento dos protocolos é essencial. Um dos piores surtos da Covid-19 em Israel foi registrado em uma escola em Jerusalém, a Gymnasia Ha’ivrit, que retomou as aulas em maio sem os cuidados necessários. Com salas pequenas e lotadas, aulas seis vezes por semana e uso facultativo de máscaras devido ao calor, o colégio suspendeu as atividades depois que 150 de seus 1,2 mil estudantes pegaram a doença, contaminando também 25 trabalhadores de ensino e 80 familiares.
Crianças e jovens não fazem parte dos grupos de risco da Covid-19 e, na grande maioria dos casos, apresentam sintomas brandos. No Brasil, entre 0,6% e 0,7% do total de óbitos pelo novo coronavírus envolve menores de 20 anos, segundo dados da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Na Suécia, um raro exemplo de país europeu que não adotou restrições severas para conter a Covid-19, os riscos de os alunos contaminarem familiares não foram altos na primeira onda da pandemia. As autoridades mantiveram o funcionamento normal dos colégios de ensino básico, mas interromperam as atividades do ensino médio, transferindo as aulas para um modelo on-line. Um estudo feito por pesquisadores das universidades de Estocolmo e de Uppsala, divulgado em outubro no repositório medRxiv, mostrou que a exposição de pais de alunos à doença levou apenas a um pequeno aumento de casos no grupo das escolas abertas, em comparação com a média da população. Mas um efeito significativo foi observado entre os professores, cuja taxa de infecção foi duas vezes maior entre os que seguiram com atividades presenciais.
Em favor da volta às aulas, há a constatação óbvia de que os estudantes estão sofrendo prejuízos no processo de aprendizagem, sem mencionar os efeitos das restrições sociais na saúde mental de crianças e adolescentes. “Manter escolas fechadas tem altos custos diretos e indiretos, que afetam tanto alunos e suas famílias quanto a sociedade como um todo”, afirma a psicóloga Teresa Schoen, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Longe das escolas, as crianças e jovens se protegem da doença, mas não estão imunes a riscos associados à violência doméstica e até à falta de alimentação regular.”
Schoen trabalha em um ambulatório de saúde de adolescentes da Unifesp e, preocupada com o impacto emocional da pandemia entre os jovens, interessou-se em municiar o debate sobre a retomada escolar no país. Ela e sua aluna de curso de especialização Letícia Soares mapearam os protocolos adotados para a volta às aulas em 13 países (ver quadro) e publicaram os resultados no repositório SciELO Preprints.
Em comum, as diretrizes se basearam em medidas de distanciamento social, higiene e identificação de casos suspeitos, mas sem uniformidade nos parâmetros – o espaço entre alunos, por exemplo, variava entre 1 metro e 2,5 metros, dependendo do país. O uso de máscaras nas escolas também foi abordado de modo distinto. A obrigatoriedade só fazia parte do protocolo de Portugal. No Canadá, as máscaras são encorajadas para crianças mais velhas, enquanto na Espanha são dispensadas desde que os alunos se mantenham a uma distância igual ou superior a 1,5 metro.
Os protocolos eram, porém, pouco específicos em relação à testagem em massa de estudantes para identificar rapidamente focos da doença. “Como cerca de 40% dos casos de Covid-19 são assintomáticos e 50% das transmissões ocorrem a partir de quem não tem sintomas, a importância dos testes é grande”, escreveram a médica Yasmin Rafiei e a advogada Michelle Mello, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, em artigo de opinião publicado no New England Journal of Medicine. Os exames, de acordo com elas, estão ausentes nos planos de reabertura das escolas na maioria das cidades norte-americanas. Em geral, só são feitos em indivíduos com sintomas.
Se a testagem atingisse um grande número de casos sintomáticos, o efeito já seria positivo, como mostraram pesquisadores do Reino Unido em artigo publicado na revista The Lancet Child & Adolescent Health. O objetivo do trabalho era criar parâmetros para evitar uma segunda onda da pandemia no Reino Unido. Com base em modelos matemáticos, os autores concluíram que, com 75% dos indivíduos com sintomas submetidos a testes e o rastreio de ao menos 68% das pessoas que tiveram contato com os contaminados, as escolas do Reino Unido poderiam voltar a operar em tempo integral. Se somente 65% dos sintomáticos pudessem ser testados, haveria segurança para retomar as aulas apenas parcialmente.
Em setembro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou a edição anual do relatório Education at a glance, que reúne estatísticas educacionais de mais de 40 países. O documento destacou que o Brasil foi um dos países mais refratários a retomar as aulas presenciais, na contramão da maioria daqueles afiliados à organização, que reabriram suas escolas até julho. O documento correlaciona a interrupção das aulas com perdas de habilidades dos estudantes e prejuízos à produtividade da economia.
Desde setembro, 11 estados brasileiros anunciaram planos para reabrir gradualmente suas escolas, enquanto os demais ainda se organizam para a tarefa. Uma resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em outubro, estabeleceu um roteiro para a retomada gradual, que prevê a transformação dos anos letivos de 2020 e 2021 em um único bloco curricular, evitando assim a reprovação de alunos neste ano. “Recomendamos às escolas que iniciem 2021 com atividades de recuperação e avaliações que considerem as condições desiguais dos alunos”, disse a socióloga Maria Helena Guimarães de Castro, professora aposentada do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp) e relatora do parecer do CNE.
A desigualdade que já marcava o sistema educacional brasileiro possivelmente se tornou mais aguda durante a pandemia. “Será um desafio lidar com turmas de alunos em etapas muito diferentes da aprendizagem e combinar atividades presenciais com remotas”, diz Castro. A recomendação é que as escolas reorganizem os currículos de modo a valorizar as competências e habilidades consideradas mais essenciais, como leitura, escrita, raciocínio lógico e pensamento criativo. “As equipes pedagógicas precisarão ter bom senso e perspicácia para enfatizar essas competências e fazer com que os alunos continuem aprendendo e não fiquem para trás. Outra tarefa importante é promover uma busca ativa dos alunos, porque existe uma tendência forte para abandono escolar e evasão a partir dos 15 anos.” Castro observa que a situação é diferente na rede particular de escolas. “Há levantamentos mostrando que elas conseguiram promover o ensino remoto de modo efetivo, mas teremos condição de saber melhor isso agora, à medida que elas estão retornando com atividades presenciais”, afirma.
Várias escolas particulares contrataram serviços de consultoria de hospitais para criar protocolos para a volta às aulas. O Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, está prestando assessoria a 20 escolas, algumas com várias unidades, adaptando as medidas de higiene e distanciamento social à estrutura física dos colégios e treinando professores e funcionários. Já há relatos de colégios privados que reabriram em outubro, mas tiveram de suspender as aulas após o registro de casos do novo coronavírus. Uma delas, a Graded School, no bairro paulistano do Morumbi, enviou comunicado aos pais de alunos alertando que dias antes centenas de estudantes do ensino médio haviam participado de festas e eventos com grande concentração de pessoas, colocando em risco o esforço da escola para garantir um ambiente seguro.
As universidades públicas vêm se organizando para voltar. A maioria das federais manteve atividades essenciais, mas interrompeu as aulas no primeiro semestre, retomando-as de modo remoto no segundo. Já as universidades estaduais de São Paulo ofereceram aulas on-line no início da pandemia e desde setembro vêm promovendo um retorno gradual dos funcionários. A Unicamp, por exemplo, condicionou o calendário de retorno à evolução da pandemia no estado. Com a regressão dos casos, a partir de outubro 20% dos funcionários começaram a voltar a suas atividades presenciais a cada duas semanas. A oferta de disciplinas práticas que não puderam ser ministradas virtualmente está programada para janeiro. “Criamos 10 grupos de trabalho para discutir os diferentes aspectos envolvidos na retomada e isso resultou em uma estratégia gradual para o retorno seguro”, diz José Antonio Rocha Gontijo, chefe de gabinete da reitoria da Unicamp e professor da Faculdade de Ciências Médicas da universidade.
Estabeleceu-se que os funcionários que retornarem devem se submeter a testes de diagnóstico da Covid-19 antes de voltar ao campus e serão obrigados a responder todos os dias, por meio de um aplicativo, perguntas sobre seu estado de saúde – se surgirem sintomas, serão dispensados do trabalho e estimulados a procurar ajuda. Quase 3 mil testes já foram realizados, com apenas 10 positivos até agora. No final de novembro, o ritmo do retorno foi atenuado diante do aumento do número de casos na região de Campinas. “Há um agravamento da situação e precisamos de algum tempo para avaliar o que vai acontecer”, diz Gontijo. A Universidade de São Paulo (USP), que também criou um plano de retorno gradual, anunciou em novembro que a volta dos funcionários deixará de ser obrigatória, devido a um aumento de casos no estado de São Paulo.
A possibilidade de eclodir uma segunda onda da pandemia e isso prejudicar o lento retorno às aulas preocupa educadores. “Nas escolas, são desenvolvidas políticas públicas essenciais para garantir o futuro das crianças e jovens e elas não podem ficar fechadas por mais tempo”, diz Maria Helena Castro. “Se for preciso fazer uma nova quarentena, que se fechem bares e shopping centers, mas não as escolas.”
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