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Pesquisa FAPESP 25 anos

Alguns temas de pesquisa que se destacaram desde o lançamento da revista em 1999

Assuntos tão diversos como mudanças climáticas, exoplanetas e alimentos ultraprocessados influenciaram os rumos da ciência e da tecnologia nas últimas duas décadas e meia

CNPEMSirius, o maior equipamento de pesquisa no BrasilCNPEM

Sem a pretensão de fazer uma lista das maiores descobertas e avanços do conhecimento do último quarto de século, Pesquisa FAPESP elenca 25 destaques da ciência e da tecnologia brasileira e internacional que tiveram – e ainda têm – grande impacto nos rumos da pesquisa e da inovação desde o lançamento da revista, há 25 anos. Por limitações da própria proposta, enumerações desse tipo são sempre incompletas e questionáveis. Temas importantes inevitavelmente ficaram de fora e outros, segundo o olhar de alguns, não mereceriam figurar no rol. Feitos os reparos, segue a lista, que tem apenas o intuito de ressaltar como a ciência se move e reconstrói as bases de seu conhecimento em um curto período.

Sirius, luz síncrotron na estrutura da matéria
Inaugurado em novembro de 2018 no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), a 15 quilômetros de Campinas (SP), o Sirius é a maior e mais complexa infraestrutura científica construída no Brasil. É um acelerador de partículas que gera uma fonte de radiação síncrotron, um tipo especial de luz que, como um microscópio gigante, permite investigar a estrutura da matéria na escala dos átomos e das moléculas. Custou cerca de R$ 2 bilhões. Ainda não está totalmente pronto. Seis de suas 14 estações experimentais estão em plena operação.
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De raridades, exoplanetas viraram algo comum
A descoberta de exoplanetas era algo excepcional na década de 1990, quando os primeiros mundos ao redor de outras estrelas – que não o Sol – foram encontrados. Hoje está confirmada a existência de mais de 5.600 exoplanetas com características distintas. Nenhum deles com vida como na Terra.
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Sociedades complexas na Amazônia
Estudos arqueológicos recentes feitos na Amazônia indicam que a floresta tropical pode ter abrigado sociedades complexas, com uma população de milhões de habitantes, no período pré-colonial. Vestígios de grandes aldeias, ligadas por estradas, e a presença da terra preta de índio, um tipo de solo associado à ocupação humana prolongada, são evidências que sustentam essa nova visão. Alguns trabalhos sugerem que a floresta amazônica sempre foi uma formação manejada pelos ameríndios, não sendo já há séculos um bioma totalmente natural.
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A ancestralidade miscigenada dos brasileiros
Estudos genéticos feitos com o DNA de diferentes grupos da população nacional nas duas últimas décadas indicam que, independentemente da cor da pele, boa parte dos brasileiros teve ou tem ancestrais do sexo masculino vindos da Europa e do sexo feminino de origem africana ou ameríndia.
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NIHSequenciar o primeiro genoma humano demorou mais de uma década e custou bilhões de dólaresNIH

O sequenciamento do genoma humano
Em 12 de fevereiro de 2001, duas das revistas científicas de maior prestígio, Nature e Science, publicaram rascunhos do sequenciamento de todo o genoma humano realizado por dois grupos independentes e concorrentes: o consórcio público internacional e a empresa privada norte-americana Celera. A iniciativa pública demorou mais de dez anos e gastou US$ 2,7 bilhões para lograr êxito. Os trabalhos serviram de inspiração e impulsionaram a pesquisa e a tecnologia genômica nas décadas seguintes. Hoje, sequenciar o DNA de uma pessoa pode demorar apenas algumas horas e custar US$ 600.
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James Webb, o sucessor do Hubble
No Natal de 2021, foi lançado o Telescópio Espacial James Webb (JWST), um projeto de US$ 10 bilhões que é considerado uma espécie de sucessor do telescópio Hubble. O JWST é o maior, mais caro e mais potente instrumento de observação do Universo. A qualidade de suas imagens encanta a todos e deve impulsionar a astronomia.
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A detecção do bóson de Higgs
Quarenta e nove anos depois de sua existência ter sido prevista pelo físico teórico britânico Peter Higgs (1929-2024), o bóson de Higgs foi oficialmente considerado como descoberto em 2012. O anúncio foi feito por pesquisadores do LHC, o maior acelerador de partículas do mundo. O bóson de Higgs é a partícula subatômica que dá massa a todas as outras partículas. Era uma peça importante do chamado modelo-padrão da física, que explica as interações entre partículas e forças presentes na matéria visível do Universo, que, até então, faltava ser encontrada.
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Carro flex faz o Brasil rodar
O lançamento comercial do primeiro carro bicombustível, também chamado total flex, em março de 2003, mudou o mercado de automóveis de passageiros do Brasil. Movidos a gasolina ou a etanol, ou a uma mistura de ambos, esses veículos se tornaram um diferencial da indústria automobilística do país. Em 2023, os carros flex representavam mais de 76% da frota de veículos que circulavam nas vias nacionais. Se abastecidos com etanol, os automóveis bicombustíveis emitem menos poluição do que os que rodam impulsionados por derivados do petróleo.
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Aguilar Abecassis / picture alliance via Getty ImagesAmazônia tem sido assolada por secas cada vez mais frequentesAguilar Abecassis / picture alliance via Getty Images

A grande floresta tropical vira objeto de estudo
A criação do Experimento em Larga Escala na Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA) em 1998 colocou de vez o maior bioma brasileiro como objeto de estudos multidisciplinares de dezenas de grupos de pesquisadores do Brasil, da Europa e dos Estados Unidos. O programa estimulou trabalhos sobre o uso da terra e o clima na Amazônia com enfoques baseados nas áreas de química, física, biologia, entre outras. Nas principais universidades brasileiras é difícil encontrar pesquisadores seniores que trabalham com algum tema amazônico e já não tenham participado do LBA.
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O berço dos dinossauros
Ao lado da Argentina, o Brasil se tornou nas duas últimas décadas o lugar do planeta com os mais antigos fósseis de dinossauros. Esses achados colocaram a América do Sul como o provável berço desses répteis extintos há 65 milhões de anos. Pelo menos seis espécies de dinossauros que viveram mais de 230 milhões de anos atrás foram encontradas na formação geológica Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Cinco dessas seis espécies foram descobertas de 1999 para cá. A maior delas tinha 2,5 metros de comprimento e sua altura batia na cintura de uma pessoa adulta.
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Xylella promove a genômica nacional
A edição de 13 de julho de 2000 da revista Nature destacou em sua capa o sequenciamento do primeiro genoma de um patógeno que ataca plantas, a bactéria Xylella fastidiosa, causadora da doença do amarelinho nos laranjais. O trabalho foi feito por uma rede virtual de laboratórios formada por duas centenas de pesquisadores do estado de São Paulo, com financiamento da FAPESP. Pioneiro no Brasil, o projeto criou competência no campo da genômica e da bioinformática e inspirou o estabelecimento de iniciativas semelhantes no estado e no país.
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A ascensão da inteligência artificial
No final de 2022, o cidadão comum tomou contato com uma área de pesquisa que há anos se desenvolvia na academia e em empresas: os softwares de inteligência artificial (IA) generativa. O lançamento comercial do ChatGPT, uma ferramenta da startup norte-americana OpenAI, causou um misto de excitação e medo. Apesar de cometer muitos erros, o sistema cria textos articulados a partir de perguntas e comandos dos usuários e pode simular conversas com um ser humano. Serviços de IA de outras empresas também foram lançados, alguns capazes de gerar imagens e vídeos.
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Xu Qingyong / Costfoto / Future Publishing via Getty ImagesChina produz hoje cerca de um quarto da ciência mundialXu Qingyong / Costfoto / Future Publishing via Getty Images

China passa EUA na produção de ciência
No final da década passada, a China desbancou os Estados Unidos da condição de maior produtor mundial de conhecimento científico. Vários indicadores apontam nessa direção. Em 2022, por exemplo, um trabalho do Instituto Nacional de Política de Ciência e Tecnologia do Japão afirmou que os chineses foram responsáveis por 23,4% dos artigos publicados entre 2018 e 2020 em revistas científicas, segundo dados da empresa Clarivate Analitics – mais do que qualquer outro país. Os chineses também são os mais citados em periódicos de alto prestígio.
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A descoberta do grafeno
Os físicos Andre Geim e Konstantin Novoselov, da Universidade de Manchester, Reino Unido, isolaram e caracterizaram o grafeno em 2004. Com uma fita adesiva, esfoliaram uma amostra de grafite, o mesmo material usado em lápis, e produziram uma folha cristalina de átomos de carbono organizados em rede, em forma hexagonal, com apenas um átomo de espessura. O feito lhes rendeu o Nobel de Física em 2010. Resistente, mas flexível, bom condutor de eletricidade, o grafeno inaugurou a era dos chamados materiais bidimensionais, que podem apresentar propriedades notáveis.
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A chegada das vacinas de mRNA
O surgimento da pandemia de Covid-19 no início de 2020 acelerou a criação das vacinas de RNA mensageiro (mRNA), um novo tipo de imunizante que estava sendo desenvolvido e testado há anos, mas que ainda não tinha sido aprovado para uso em humanos. Imunizantes seguros e eficazes feitos com essa tecnologia por duas empresas, BioNTech/Pfizer e Moderna, foram largamente empregados na pandemia. Dois pioneiros das vacinas de mRNA, a bioquímica húngara Katalin Karikó e o imunologista norte-americano Drew Weissman, ganharam o Nobel de Medicina de 2023.
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As mulheres da edição gênica
A microbiologista francesa Emmanuelle Charpentier e a bioquímica norte-americana Jennifer Doudna dividiram o Prêmio Nobel de Química de 2020 pelo desenvolvimento da ferramenta de edição de genes conhecida como Crispr. Ambas tiveram papel importante na criação e difusão da tecnologia, surgida no início da década passada e que, devido à sua alta precisão, já é usada na modificação genética de plantas e tem potencial para ser empregada no tratamento de certas doenças. Foi a primeira vez que duas mulheres partilharam o prêmio dessa área sem a companhia de um homem.
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Guardião da Amazônia
Lançado em fevereiro de 2021, o Amazonia 1 é o primeiro satélite nacional de médio porte inteiramente projetado e construído no país. Ele foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O Amazonia 1 sobrevoa o território nacional diversas vezes ao dia e suas imagens são usadas para monitoramento ambiental, no planejamento agrícola e urbano. Ele é um dos satélites usados pelo Inpe para registrar o desmatamento da Amazônia e de outros biomas, ao lado de congêneres norte-americanos, europeus e sino-brasileiros.
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Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FapespAlimentos ultraprocessados têm grande impacto sobre a saúdeLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa Fapesp

O risco dos alimentos ultraprocessados
Há cerca de 15 anos, um grupo na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) propôs uma forma inovadora de categorizar os alimentos que favorecem a obesidade e impactam a saúde, sobretudo os criados pela indústria para serem baratos, de sabor intenso e quase sempre irresistíveis. Segundo a classificação Nova, esses produtos prontos para consumo, feitos a partir de formulações de substâncias resultantes do processamento de alimentos, foram denominados ultraprocessados. O conceito passou a ser adotado internacionalmente.
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Embraer conquista a aviação regional
Em fevereiro de 2002, o protótipo do Embraer 170, com capacidade para 70 passageiros, fez seu voo inaugural. Lançado no mercado dois anos depois, ele foi o primeiro modelo de uma bem-sucedida família de jatos destinados à aviação comercial regional que levou a empresa brasileira a se tornar a terceira maior produtora de aviões do mundo, atrás da Boeing e da Airbus. Com mais de 9 mil aeronaves produzidas, se considerados todos os tipos de aeronaves de seu catálogo, a Embraer é a maior fabricante de jatos comerciais de até 150 assentos e a principal exportadora de bens de alto valor agregado do Brasil.
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Miniórgãos para pesquisa e tratamentos
Gerados a partir do cultivo in vitro de células-tronco, os organoides, também denominados miniórgãos, são estruturas tridimensionais em miniatura que reproduzem, com um bom grau de fidelidade, a heterogeneidade celular e as funções de órgãos humanos. São modelos clínicos promissores para o estudo de doenças, o teste de terapias e o desenvolvimento de uma medicina regenerativa. Desde a primeira década deste século, as técnicas de criação de diferentes miniórgãos, como intestinos, cérebro, fígado e pulmões, estão em franca evolução, abrindo uma nova perspectiva clínica.
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Medalha Fields para a matemática nacional
Em 2014, o carioca Artur Avila, do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), tornou-se o primeiro sul-americano a ganhar a Medalha Fields, o maior prêmio internacional da matemática. A honraria é dada a pesquisadores que têm menos de 40 anos no momento da escolha. Especialista em sistemas dinâmicos, Avila tem hoje 45 anos, é professor na Universidade de Zurique, Suíça, e pesquisador do Impa.
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Colaboração Event Horizon TelescopeImagem do buraco negro no centro da galáxia Messier 87Colaboração Event Horizon Telescope

A primeira imagem de um buraco negro
Uma mancha escura envolta em um anel iluminado, ligeiramente desfocado, no centro da galáxia Messier 87 (M87), situada no céu em direção à constelação de Virgem. Essa imagem, divulgada em 2019, é a primeira obtida de um buraco negro. A rigor, ela não mostra o buraco negro em si, mas a sombra deixada pelo horizonte de eventos, região a partir da qual a gravidade cresce absurdamente e captura tudo o que está por perto. O feito foi obtido pela equipe do projeto internacional Telescópio Horizonte de Eventos (EHT). Em 2022, a iniciativa produziu uma imagem do buraco negro localizado no centro da Via Láctea.
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As ondas gravitacionais finalmente chegaram
Na teoria da relatividade geral, Albert Einstein (1879-1955) previu, em 1915, que o movimento extremamente acelerado de objetos com muita massa produziria vibrações no espaço-tempo, o tecido do qual é feito o Universo. Exatos 100 anos depois, em 2015, os detectores do Observatório Ligo, nos Estados Unidos, flagraram pela primeira vez esse tipo de perturbação. Ondas gravitacionais geradas pela colisão de dois buracos negros foram registradas pelo observatório, um evento que inaugurou a área de estudos desse tipo de fenômeno.
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Homem impulsiona mudanças climáticas
Na primeira parte de seu sexto relatório, divulgada em agosto de 2021, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) não deixou margem para dúvidas: “É inequívoco que a influência humana esquentou a atmosfera, o oceano e a superfície terrestre”. O texto reafirmava, com um grau de certeza maior do que nos documentos anteriores, que o aquecimento global é consequência do crescimento das emissões de gases de efeito estufa, produzidos essencialmente por atividades humanas, sobretudo a queima de combustíveis fósseis.
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Uma curva de crescimento para os recém-nascidos
A partir de estudos feitos com uma amostra de mais de 7 mil crianças do Brasil, dos Estados Unidos, da Noruega, de Omã, de Gana e da Índia na primeira metade dos anos 2000, uma equipe de epidemiologistas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, foi uma das que mais contribuíram para o estabelecimento das curvas de crescimento infantil recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Esses parâmetros, que acompanham a idade, o peso e a altura das crianças, são adotados em mais de 140 países.

A reportagem acima foi publicada com o título “Caminhos do conhecimento” na edição impressa nº 344, de outubro de 2024.

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